Frida.
[...]
"Frida Kahlo, consagrada pintora mexicana, em suas próprias palavras essa "...quase assassinada pela vida", forjou na própria carne dilacerada seu estilo de ser, sua transcendência, e talvez seja um dos modelos exemplares de que o desamparo pode, mesmo como fonte permanente de angústia, ganhar uma feição criativa. Impossível não reconhecer em sua obra a legitimação de sua dor de existir reinventada pictoricamente e confirmada , traduzida em ato, através de seu discurso, em seu diário e em suas cartas apaixonadas.
Uma vida que, datada do início do século, foi perpassada pelo sofrimento físico. A paralisia infantil na tenra infância deixa-lhe como sequela um rude golpe narcísico com rótulo: torna-se a Frida perna de pau. Mais tarde, o violento acidente urbano aos dezoito anos literalmente despedaçou seu corpo e a fez pena a vida inteira, fazendo-a ainda submeter-se a trinta e duas cirurgias, vinte e nove anos de dor contínua e finalmente a uma amputação da perna que não arrefeceram, apesar de tudo, sua resistência obstinada. Essa dor foi claramente reconhecida por ela ao referir-se ela própria ao acidente: "...e a sensação que desde então nunca mais me deixou de que meu corpo concentra em si todas as chagas do mundo". E ainda: "minha pintura carrega em si a mensagem da dor. Creio que ela interessa pelo menos a algumas pessoas".
E, contudo, a pintura não nasceu nela de uma "vocação precoce". Surgiu sob dupla pressão: um espelho em cima de sua cabeça que a importuna, e bem no fundo de si mesma uma dor que vem à tona. Dois elementos que se conjugam e fazem a pintura aflorar. Pintura que transbordava de seu corpo, de suas chagas abertas, de sua solidão. Justificando a abundância de auto-retratos disse: "pinto a mim mesmo porque sou sozinha e porque sou o assunto que conheço melhor". Esse trabalho contínuo de recomposição de sua imagem, essa luta pela reestruturação interna, como num mosaico mexicano, foi traduzida assim em suas próprias palavras: "Não estou doente. Estou partida. Mas me sinto feliz por continuar viva enquanto puder pintar".
[...]
A determinação de trabalhar sua dor também foi ao longo de sua existência o resultado de um duro embate onde a idéia da morte não ficava excluída mas presente sempre em suas próprias palavras como uma "saída enorme e silenciosa". Oscilou muitas vezes entre uma proclamação eufórica como "Para que preciso de pés quanto tenho asas para voar?" e registros diametralmente opostos como o inscrito no diário em fevereiro de 1954: "Amputaram-me a perna há 6 meses, deram-me séculos de tortura e há momentos em que quase perco a razão. Continuo a querer me matar. O Diego é que me impede de o fazer, pois a minha vaidade faz-me pensar que sentiria a minha falta. Ele disse-me isso e eu acreditei. Mas nunca sofri tanto em toda a minha vida. Vou esperar mais um pouco...".
[...]
É isso o desamparo, esse vazio pulsante."
"Frida Kahlo, consagrada pintora mexicana, em suas próprias palavras essa "...quase assassinada pela vida", forjou na própria carne dilacerada seu estilo de ser, sua transcendência, e talvez seja um dos modelos exemplares de que o desamparo pode, mesmo como fonte permanente de angústia, ganhar uma feição criativa. Impossível não reconhecer em sua obra a legitimação de sua dor de existir reinventada pictoricamente e confirmada , traduzida em ato, através de seu discurso, em seu diário e em suas cartas apaixonadas.
Uma vida que, datada do início do século, foi perpassada pelo sofrimento físico. A paralisia infantil na tenra infância deixa-lhe como sequela um rude golpe narcísico com rótulo: torna-se a Frida perna de pau. Mais tarde, o violento acidente urbano aos dezoito anos literalmente despedaçou seu corpo e a fez pena a vida inteira, fazendo-a ainda submeter-se a trinta e duas cirurgias, vinte e nove anos de dor contínua e finalmente a uma amputação da perna que não arrefeceram, apesar de tudo, sua resistência obstinada. Essa dor foi claramente reconhecida por ela ao referir-se ela própria ao acidente: "...e a sensação que desde então nunca mais me deixou de que meu corpo concentra em si todas as chagas do mundo". E ainda: "minha pintura carrega em si a mensagem da dor. Creio que ela interessa pelo menos a algumas pessoas".
E, contudo, a pintura não nasceu nela de uma "vocação precoce". Surgiu sob dupla pressão: um espelho em cima de sua cabeça que a importuna, e bem no fundo de si mesma uma dor que vem à tona. Dois elementos que se conjugam e fazem a pintura aflorar. Pintura que transbordava de seu corpo, de suas chagas abertas, de sua solidão. Justificando a abundância de auto-retratos disse: "pinto a mim mesmo porque sou sozinha e porque sou o assunto que conheço melhor". Esse trabalho contínuo de recomposição de sua imagem, essa luta pela reestruturação interna, como num mosaico mexicano, foi traduzida assim em suas próprias palavras: "Não estou doente. Estou partida. Mas me sinto feliz por continuar viva enquanto puder pintar".
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A determinação de trabalhar sua dor também foi ao longo de sua existência o resultado de um duro embate onde a idéia da morte não ficava excluída mas presente sempre em suas próprias palavras como uma "saída enorme e silenciosa". Oscilou muitas vezes entre uma proclamação eufórica como "Para que preciso de pés quanto tenho asas para voar?" e registros diametralmente opostos como o inscrito no diário em fevereiro de 1954: "Amputaram-me a perna há 6 meses, deram-me séculos de tortura e há momentos em que quase perco a razão. Continuo a querer me matar. O Diego é que me impede de o fazer, pois a minha vaidade faz-me pensar que sentiria a minha falta. Ele disse-me isso e eu acreditei. Mas nunca sofri tanto em toda a minha vida. Vou esperar mais um pouco...".
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É isso o desamparo, esse vazio pulsante."
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